O Chanceler do Reino da Morte & A Foice Ceifadora de Sonhos

 



Essa história não é apenas um conto encantado, mas uma história antes do mundo se dividir, uma época em que o Mal e o Bem caminhavam eternamente lado a lado. 

O Mal era perverso e destruidor, seu rosto era jovem apesar dos anos incontáveis de sua existência. Seus cabelos negros como a escuridão levemente ondulados caiam na altura de seus ombros dando uma aparência mais forte e cruel. Em seus olhos se refletia sua desumanidade. 

 Hoje, seu olhar parece distante em seus pensamentos...  disse-lhe o Bem, sentando-se no banco feito de madeira talhada rusticamente ao lado do Mal. 

Os vagalumes iluminavam as sombras da noite, a brisa espalhava o perfume das flores que se abriam, balançando as folhas das árvores que estavam ao lado do banco, as estrelas pareciam dançar no céu com tanto brilho. O Mal colocou seus braços sobre o encosto do banco, resmungando muito aborrecido. 

Essa noite está simplesmente detestável, descanso, paz e tranquilidade são coisas muito desagradáveis e precisamente sem sentido.   

O Bem era carinhosa e acolhedora, com cabelos claros e brilhantes presos em uma trança, fios soltos ondulados caiam em seu rosto, lhe dando uma aparência de estar sempre calma e serena. Nos seus olhos se fletiam o amor e a bondade. Usava um vestido bordado com fios de prata da luz da Lua que deixavam rastros luminosos por onde ela passava. 

         Essa beleza que nos cerca, iluminando a escuridão sombria, as estrelas e a Brisa da Lua fazem parte do mundo, é o princípio, o meio e também assim será no fim. 

 É exatamente isso o que mais me incomoda.  Sussurrou o Mal aborrecido. 

Mas isso magoou profundamente o Bem, a beleza que afastava a escuridão vinha dela, aquilo que muito o incomodava era ela. O Bem se manifestando na escuridão. 

Para o Mal a destruição era sua natureza e assim deveria ser. Ele temia que de alguma forma, ela descobrisse que ele estava guardando um grande segredo. Isso o tornava mais desagradável do que o normal. 

Ela levantou-se silenciosamente, deu uma última olhada para o Mal enquanto ele encarava a escuridão. E quando percebeu, ele agora estava sozinho, o Bem havia desaparecido para sempre. 

 

O Tempo se passou.... 

 

Em certa manhã algo surgiu inesperadamente em volta da mais alta montanha que tocava as nuvens, uma neblina cinza se misturava em meio a chamas. Uma tempestade parecia se aproximar acompanhada de terríveis sons de trovões e relâmpagos. 

Era algo que ninguém saberia como explicar.  

O Mal passou a observar todos que cruzavam o seu caminho. 

Alguns dias depois, um pobre aventureiro de cabelos grisalhos usando seu chapéu para proteger sua face, velejava por mares e passava por terras que não tinham fim, em busca de uma esposa.  

Devido a idade, estava meio surdo e não ouviu os sinais da tempestade vindo da montanha, sua visão já estava meio turva, seguiu sem saber ao certo qual direção seria a melhor, se deparou em uma encruzilhada, onde havia uma placa onde estava escrito: 

"Atenção!!! Perigo no Alto da Montanha!!! Não Ultrapasse!!!

 




      Mas como o aventureiro não sabia ler, seguiu por aquele mesmo caminho. Quando olhou para o alto da montanha percebeu que os sons estavam vindo de uma lâmina cortante.  

Surgiu do meio das rochas um homem encapuzado e inclinando uma foice em direção ao viajante. Então uma voz no meio da escuridão, sussurrou ao ouvido do aventureiro:  

 Qual é o mais valioso desejo que você carrega em seu coração?  

Algo lhe pareceu muito estranho, então pensando ser um local assombrado com medo e voz tremula respondeu: 

        Eu desejo... ser muito rico e ter tanto ouro... que nunca mais acabe.  

 A lâmina da Foice brilhou em meio as trevas, e os olhos do homem se iluminaram, com um sorriso respondeu com uma falsa simpatia: 

      Lhe dou toda a riqueza desse mundo que desejar. Mas está disposto a me dar algo em troca, algo que para mim seria de inestimável valor... 

Então o viajante o interrompeu e põe-se a gargalhar, não deixando o homem terminar de falar o que ele desejava. 

 Se tiver tamanho poder para me deixar muito rico.  Em sua ganância aos risos, ele acrescentou.  E uma fortuna que nunca mais tenha fim, eu te dou qualquer coisa em troca, não tenho nada a perder e muito menos a oferecer.  Afirmou o viajante, pensando estar falando com uma aparição que era apenas uma ilusão, duvidando de seu poder logo aceitou. 

 Me parece ser uma ótima troca. Fazer sua ambição se tornar real é muito fácil para mim.  Falou o misterioso, sem um ar de bondade por seu coração de pedra, com palavras soando frias e sem nenhum arrependimento. Empunhando a foice para cima a afastando de seu manto negro que cobria seu aço. 

  Vislumbro seu futuro, e agora uma parte dele pertence a mim.  

 Em voz alta gritou, ecoando pela escuridão que cobriu o local: 

  Com a foice que corta os céus e arrasa a terra, foiço seu sonho. 

Então a lâmina brilhou fortemente e o misterioso homem lançou um golpe sobre o ar, cortando algo que não poderia ser visto.  

Nesse mesmo instante as roupas do viajante se tornaram bordadas por fios de ouros, e seus bolsos se encheram de moedas. 

                                                   

 



Chegando na vila, ele nada falava apenas sorria, pois agora alguns de seus dentes também haviam se tornado de ouro, o deixando muito feliz. 

         Tendo muito dinheiro nada me faltará.  Pensou o viajante. 

Decidiu ficar por ali mesmo e comprar uma casa para ser o seu novo lar.  

Em uma tinham duas casas à venda. A primeira era linda e dourada com telhas de argila, as janelas da mais bela árvore de madeira avermelhada, e ao lado estava uma casa de pedras sujas de lama, com telhado de palha e galhos secos.  

Mas toda sua riqueza vinha com um..., porém.  

Sua visão sobre as coisas estava modificada. O viajante decidiu comprar a casa de palha para viver, pensando ser a mais bela da vila. Decidiu também conquistar uma esposa e procurou a jovem mais linda do vilarejo.  

Perto da igreja viviam duas vizinhas, a mais nova tinha cabelo loiro e olhos azuis, com um lindo sorriso. Enquanto a outra mais velha tinha um cabelo muito fino e já lhe faltavam muitos dentes em sua boca. 

 Ele olhou muito tempo para as duas vizinhas e por fim escolheu a que lhe parecia ser a mais bela. Acabou escolhendo a vizinha mais velha, aquela que já não tinha mais muitos dentes. 

E como se costumava saber... o silêncio quem guardava eram os túmulos, e quem os protegia eram os coveiros, mas os vizinhos do viajante não eram nem um, nem outro.  Portanto muitos comentários e fofocas foram feitas sobre o viajante. 

Quanto mais o viajante esbanjava, mais dinheiro ele tinha, e isso acabou despertando o interesse de muitos.  Que lhes perguntaram como ele havia se tornado tão rico. Mas ele nada sabia responder. 

Naquela vila certo dia veio morar uma jovem muito linda e misteriosa por ter ouvido falar do viajante muito rico. 

Ela lhe perguntou como ele havia se tornado tão rico sem trabalhar, mas ele nada respondia. Até que um dia, a jovem vestida com um longo capuz, passou debaixo da janela da esposa do homem rico e gritou.  

   Está pegando fogo na casa! 

Desesperada, a esposa do viajante saiu correndo e gritando, quando a jovem disfarçada tirou de seu bolso o seu fiel escudeiro, um pequeno camaleão chamado Teobaldo. E lhe disse: 

 Teobaldo, Segue o viajante e veja de onde ele tira sua fortuna. Há algo estranho por aqui. 

Então Teobaldo pôs-se a seguir o viajante... 

Ao longo do caminho Teobaldo sentiu que algo estava o chamando para perto da montanha. 

O céu escureceu e as nuvens trovejavam para anunciar novamente a tempestade se aproximando, Teobaldo seguiu para a montanha passando pela neblina que a cercava, subindo cada vez mais alto até chegar no seu topo, lá havia um grande castelo sombrio que aparentava estar em ruinas e destruído. 

Teobaldo continuou seguindo rapidamente entrando no castelo até chegar no grande salão, a única luz vinha de tochas nas paredes. 

Teobaldo seguiu adiante sentando-se em um grande trono que estava no alto do salão, que por sua grandeza quase alcançava o teto com suas pedras largas e pontudas, um trono feito com pedras negras trazidas do Reino das Trevas.  

Quando o Mal entrou pela porta do salão caminhando em direção ao trono com seus passos largos e pesados, Teobaldo desceu do trono, subindo em uma pequena mesa de pedra que havia em frente ao trono, estava sobre ela uma macia almofada coberta por linho vermelho, sendo este feito especialmente para ele, deitando-se sobre ela, enquanto o Mal sentava-se no Trono. 

 Chanceler, por onde você esteve? Pelo menos conseguiu encontrá-la? 

O camaleão balançou a cabeça com sinal negativo. 

 Então vá e a encontre... Aguardo notícias.  Chanceler era como o Mal chamava Teobaldo.  

Há muitos anos atrás, em uma de suas passagens pelo Reino da Morte, o Mal acabou encontrando um camaleão pequeno demais para seu tamanho, sentindo compaixão pela primeira vez, temeu que ele não sobreviveria em meio aquele reino de caos, levando-o consigo e o tornando desde aquele dia em diante seu escudeiro. 

Chanceler saiu e voltou para a jovem misteriosa. 

Ao chegar, ela perguntou ao camaleão, o que havia acontecido e o que era aquilo: 

 Teobaldo você descobriu algo? 

Ele respondeu com a cabeça com um sinal negativo. 

No outro dia, ao amanhecer Teobaldo novamente sentiu o Mal o chamando e partiu até onde ele estava. Seguiu para o castelo e lá o Mal o espera em seu trono. 

 Chanceler traga-me a foice ceifadora de sonhos, alguém está se aproximando da montanha assim como o viajante. Talvez eu tenha os sonhos de mais alguém para ceifar. 

O mal havia tornado Chanceler o responsável por guardar a foice ceifadora dos sonhos, pois havia entregado para ele a chave do Reino da Morte. Então Teobaldo buscaria a foice ceifadora de sonhos. 




No reino da morte, Chanceler parou em um caminho sombrio, com árvores caídas e rugidos de animais em meio a escuridão. Trovões no céu e um vento cortante, faria qualquer um voltar e não querer mais seguir por aquele caminho, mas Chanceler não tinha medo nenhum naquele lugar sombrio.  

Seguiu pelo caminho de musgo e pedras negras até o Castelo destruído do Reino da Morte. 

Chanceler seguiu por três salas dentro do castelo até encontrar o cofre, onde a foice estava guardada. A foice era forjada com o fogo e o ferro do Reino da Morte e muito leve de ser carregada.  

 A jovem que acompanhava Teobaldo desconfiada de que ele estivesse escondendo algo, o seguiu em segredo para dentro do Reino da Morte, mas como desconhecia aquele terrível lugar acabou se perdendo e caindo no abismo nas margens do Rio da Perdição Eterna que carregava as almas perdidas na eternidade, e se ela caísse naquelas águas seria terrivelmente condenada pela eternidade. 

 Então Teobaldo percebeu um desequilíbrio e alguém havia encontrado aquele lugar, indo investigar viu a jovem em uma grande pedra muito próximo das águas que carregavam as almas e a pedra logo desmoronaria e ela cairia no lago da eterna profundeza do abismo.  

Desesperado, Chanceler partiu em busca de seu mestre. Começou a correr ao redor do trono, fazendo o Mal notá-lo, percebendo que havia algo errado. 

 Chanceler o que há de errado? Você a encontrou? 

Desesperado, o pequeno camaleão acenou rapidamente com a cabeça e fez um gesto com a pata dizendo me siga e saiu como um raio. O Mal percebeu que não era normal Chanceler agir assim, provavelmente o Bem estava em grande perigo. 

O Mal o seguiu para o Reino da Morte e acabou a encontrando o Bem já sem consciência na beira do Rio da Perdição Eterna do abismo. Aquela jovem misteriosa que investigava o desequilíbrio causado pela foice ceifadora de sonhos era o Bem. 

O Mal ao descer para abismo afim de salvá-la acabou caindo, pois desmoronou a pedra que os segurava. 

Antes de cair no rio, Chanceler lhe jogou a foice, assim o Mal a usou para cortar as almas que se aproximavam no rio. E com a foice ele conseguiu sair do abismo carregando o Bem para longe daquele terrível lugar. Uma vida sem luta é como uma serpente que procura sua presa, enquanto que uma vida sem paz é como uma borboleta que não encontra um lugar seguro para pousar. O Mal percebeu que precisava do Bem, assim como ela também precisava dele. 

O Bem acordou no castelo do Mal. Lembrando-se de quando aquele lugar era muito belo e agora estava completamente em ruínas. A diferença do castelo em sua ausência era como tornar a luz na escuridão imperceptível, era como se a estrelas do céu parassem de brilhar e a lua deixasse de iluminar a noite. Era como uma flor sem a chuva que lhe regava em baixo do sol do verão mais seco. 

Por salvar a sua vida Rio da Perdição Eterna, o Bem o perdoou. 

Por encontrar o Bem e perceber que sem sua Luz suas Trevas o consumiram, o Mal descobriu que uma vida sem o Bem era de completa solidão. 

Por ter mentido e causado toda essa confusão o pequeno camaleão com a chave do Reino da Morte, ele guardou a lâmina em seu cofre e ao sair trancando a passagem, escondeu a chave onde ninguém nunca mais a encontrasse para que a terrível lâmina nunca mais fosse usada.  

Assim que o bem e o mal voltaram a ser o que eram, não havia mais motivo para o viajante ser muito rico, pois agora estavam em harmonia. Assim seu sonho de riqueza foi ceifado com a partida da lâmina que voltou para o  Reino da Morte carregada pelo fiel escudeiro do bem e o do mal, o Chanceler Teobaldo. 

Tornando-se pobre novamente, seus sonhos se desfizeram e sozinho voltou a velejar. 

Enquanto o Bem e o Mal voltaram a viver em eterno equilíbrio. 





Por: Irmãs Franco Ale e Sabry


Créditos de Imagens: Canva



Comentários

Postagens em Destaque

A Carta do Capitão Wentworth para Anne Elliot - Persuasão de Jane Austen

The Treacherous Magic Book - O Traiçoeiro Livro Mágico

Feliz Natal! Oops, Feliz Páscoa!

The Little Rabbit in The Autumn Nights - O Pequeno Coelho nas Noites de Outono

Resenha: Esopo – fábulas completas